quinta-feira, 29 de julho de 2010

Mais ideias e menos propaganda de TV

“Seria necessário que nossos candidatos de “centro-esquerda” estivessem preocupados em convencer o eleitorado mais com idéias e menos com o tempo de TV, os outdoors e os carros de som”

Henrique Mogadouro da Cunha*


Provavelmente se os principais candidatos à Presidência da República nas eleições deste ano se sentassem para conversar, não num debate em que se quer ganhar do adversário, mas com a decência de agregar propostas e ideias, encontrariam muitas coisas em comum – e, pasmem, não seriam apenas as alianças obscuras, os financiadores oportunistas e a demagogia; disso todos nós sabemos, e eles sabem também.


Em 2005, o Brasil foi às urnas para dizer se era favorável ou contrário à proibição da venda de armas de fogo e munição em todo o território nacional. A coalizão em torno do “sim”, ainda que mal-sucedida, unia políticos de situação e oposição em torno de uma causa política, porém apartidária – coisa rara em nosso país. A derrota dessa opção no tal referendo foi resultado da força de outra coalizão que, curiosamente, também unia políticos de situação e oposição.

O referendo de 2005 mostrou que, a despeito de algumas tendências progressistas dos candidatos com chances de ocupar o Executivo federal, são precisamente as alianças desses partidos com pólos reacionários da política brasileira que freiam importantes iniciativas que poderiam uni-los. A título de exemplo, merecem atenção: a PEC do Trabalho Escravo (que prevê o confisco de terras de proprietários autuados por usar trabalho escravo); a possibilidade de união civil entre pessoas do mesmo sexo; a descriminalização do uso de drogas e seu reconhecimento como questão de saúde pública; a legalização da prática do aborto; a proibição do uso de imagens religiosas em repartições públicas. Duvido que Dilma ou Serra sejam contrários a essas medidas.


Pensar nessas discussões provavelmente desperta nos candidatos o pânico de tocar em assuntos polêmicos – tudo o que mais tentam evitar em período eleitoral. Se, por um lado, foi o PT quem incluiu algumas delas no PNDH-3 (Plano Nacional de Direitos Humanos), lançado em janeiro deste ano, a oposição mais feroz a tais pontos, por sua vez, não partiu do maior partido da oposição, o PSDB, mas de setores verdeiramente conservadores e reacionários que permeiam a maior parte dos partidos políticos brasileiros: a Igreja Católica (no tocante à sua moral, agredida pelo PNDH-3); e os ruralistas que travam a votação da PEC do Trabalho Escravo desde 2001.


Como é possível, no século XXI, o Estado brasileiro, supostamente laico, ser ainda tão atrelado aos interesses da Igreja Católica, a ponto de permitir que repartições públicas tenham estampado o cristo crucificado diante de seus cidadãos (católicos, umbandistas, protestantes, e por aí vai)? Como é possível, 122 anos depois da abolição, que o trabalho escravo seja tolerado e que sua defesa velada seja feita em pleno Congresso Nacional? Pior que isso, como é possível que os grandes partidos, supostamente de “centro-esquerda” (seja lá o que isso signifique), não se unam para resistir ao poderoso lobby conservador que desde sempre condiciona seu sucesso eleitoral? Como é possível que não chamem a população a se manifestar?


Tudo isso só é possível porque colocar os interesses do Brasil acima dos interesses partidários exigiria maturidade, honestidade, decência. Seria necessário, antes de mais nada, que nossos candidatos de “centro-esquerda” estivessem preocupados em convencer o eleitorado mais com idéias e menos com o tempo de TV, os outdoors e os carros de som – tudo pago com a venda de seus programas de governo a aliados que, na situação ou na oposição, estão sempre no poder. Deveríamos pedir aos candidatos que suas campanhas discutissem – que sonho! – projetos políticos, propostas para o país. Pouco provável, não é?

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