Política, como aliás tudo, move-se em torno de símbolos. Um dos que mais fascinam, em qualquer tempo e em qualquer parte, é a saga da conquista do poder pela superação da origem social.
Nos Estados Unidos, a figura de Abraham Lincoln, o lenhador que chegou à Presidência da República, tornou-se mais que exemplo de heroísmo e persistência: encarnou o sonho americano de ascensão pelo mérito, simbolizando a mobilidade social que o regime de economia de mercado proporciona.
No Brasil, embora a história registre governantes que partiram do nada – Juscelino, por exemplo, passou privações e ia descalço ao colégio público -, nenhum explorou tão bem essa mística quanto Lula, o retirante nordestino que superou adversidades, construiu uma carreira admirável e chegou ao topo do poder político.
Sem desconsiderar esse mérito, ele não pode ser em si mesmo atributo para avaliar ações administrativas, nem licença para absolver deslizes, embora frequentemente o seja.
O filão continua promissor e está sendo explorado pelo marketing da campanha de Marina Silva, candidata do PV à Presidência da República.
Não há dúvida de que a senadora possui méritos e liderança. Tal como Lula, superou adversidades múltiplas para chegar aonde chegou.
Foi seringueira, analfabeta até os 16 anos. Com admirável determinação, estudou, chegou à universidade, graduou-se e construiu carreira política íntegra e vitoriosa.
Isso a credencia, sem dúvida, mas não pode ser a questão central de sua candidatura à Presidência da República.
O que a qualificará é o conteúdo do que propõe e os meios de que se servirá para concretizá-lo. Assunto não lhe falta.
Pedir votos para que “uma mulher negra e de origem pobre” chegue à Presidência da República é investir no preconceito, não combatê-lo. O pleito da igualdade de direitos, bandeira de todos os discriminados, pressupõe a abdicação desses expedientes.
Da mesma forma que é indigno (e hoje ilegal) discriminar por razões de cor, gênero ou origem social, também o é privilegiar alguém pelas mesmas razões. Inverter a discriminação é mantê-la.
Se alguém pedisse votos por ser branco de olhos azuis – imagem que Lula já empregou para responsabilizar o Primeiro Mundo pela crise econômica -, seria imediatamente execrado.
Mas o fundamento discricionário do pleito étnico-social e de gênero de Marina é exatamente o mesmo.
A escolha de um governante deve basear-se na avaliação de suas propostas, tendo em vista sua credibilidade moral e profissional. Nada além. Etnia, gênero e origem indicam graus de dificuldades na escalada social.
Compõem uma biografia e ajudam a compreendê-la, a firmar conceito. Mas não são fatores que em si tornem um candidato melhor que outro. Nem muito menos devem ser invocados como uma espécie de dívida moral da sociedade para com ele.
A eleição de um presidente, no Brasil, tem sido mais um fenômeno de marketing que de avaliação de conteúdo. Daí o destaque que os marqueteiros passaram a ter nos comitês de campanha, extrapolando as atribuições de seu ofício.
Tornaram-se tutores dos candidatos, cuidando desde o vestuário até a estética odontológica, não raro levando-os a correções plásticas e à assimilação de gestos coreográficos que transformam sua personalidade e confundem seus propósitos.
Em vez de revelá-los, para que o eleitor possa melhor conhecê-los, optam por ocultá-los, passando ao público não uma pessoa, mas um personagem.
publicado por Ruy Fabiano jornalista
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